Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


Homenagem a professora primária que inovou há 20 anos

Há dois meses a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, acusou os professores de apenas se preocuparem em dar aulas e não com o sucesso educativo dos alunos. Quando chegou ao Governo, cumprindo a promessa eleitoral de José Sócrates, mandou alargar o horário de funcionamento das escolas do 1.º Ciclo do Básico (antiga primária) com actividades extra-curriculares, Inglês e Educação Física. Mas a fórmula mágica do Ministério da Educação já a professora Carlinda Cerveira praticava há mais de 20 anos. E foi por isso mesmo que a associação de pais da Básica n.º 1 da Abrunheira (Sintra) decidiu homenageá-la com uma placa de agradecimento na escola a que dedicou quase metade da vida.
“Carlinda gosto, é igual ao da minha avó; Augusta é que não combina lá muito bem”, diz a professora enquanto resume o seu percurso profissional. “Carlinda Augusta”, repete com um sorriso, não é de facto um nome comum, tal como não era comum uma professora ensinar Inglês aos alunos da primária em 1988, praticar com eles Educação Física sem ordens do ministério ou dedicar horas semanais a explorar as artes plásticas.
“Lembro-me perfeitamente do dia em que um inspector lá apareceu”, diz Carlinda com ar triunfante. “Quando chegou à sala e viu os dossiês de Inglês disse-me que eu não podia dar aquele tipo de aulas porque não tinha formação nessa área”. A resposta estava na ponta da língua: “Era o que faltava eu não poder ensinar os alunos.” Já naquela época, Carlinda Cerveira sabia que “o Inglês era um estímulo para os alunos”. Assim, todas as sextas-feiras a professora dedicava 40 minutos ao hóbi. “Iam para o 5.º ano e tinham a noção dos termos da família, das horas, dos meses e dias e sabiam apresentar-se.” A justificação para a irreverência é apenas uma: Carlinda Cerveira achava que “a escola não podia ser apenas Português e Matemática”.
Com a certeza de muitos anos de experiência, afirma: “A Educação Física é muito importante, sobretudo nos primeiros anos de ensino.” Inovando uma vez mais, a professora aproveitou grande parte destas aulas para ensinar Matemática. “Nos exercícios de corrida obrigava-os a parar e a imaginarem que estavam num bosque. Dizia-lhes que havia dois pássaros numa árvore, um no chão, outros dois a comer migalhas e perguntava-lhes quantos pássaros viam. Ao imaginar a situação, desenvolviam o cálculo mental.”
Hoje, a escola onde trabalhou 26 anos, 23 dos quais como directora, tem um ginásio polivalente, refeitório e jardim-de-infância e actividades de tempos livres.

"DISSE-ME QUE JÁ NÃO TINHA MÃE"
Quando lhe pedem para recordar o que mais a marcou em tantos anos de ensino, Carlinda Cerveira não consegue conter as lágrimas. Pede licença para se levantar e, com um lenço, tenta limpar as marcas do passado. As diferenças sociais entre os alunos fizeram-na pedir autorização aos pais para as crianças voltarem a usar bata. Um dia, numa sala de aula, uma menina destacou-se pela ausência da vestimenta. Perguntou-lhe porque estava sem bata e a menina respondeu, com vergonha, que ainda não a tinha comprado. “Passei-lhe um raspanete e disse-lhe que queria a mãe dela na escola no dia seguinte. A menina começou a chorar e disse-me que já não tinha mãe.” As lágrimas regressam. “Disse-lhe que passava eu a tomar conta dela”. E comprou a bata à menina.

PERFIL
Carlinda Augusta Cerqueira Nunes Cerveira nasceu a 28 de Julho de 1950, no Cuíto, em Angola. Tem dois filhos, é casada há 32 anos e dedicou 26 anos de ensino à Escola Básica n.º 1 da Abrunheira. O curso do magistério tirou-o ainda em Angola, onde deu aulas durante quatro anos. A descolonização, em 1975, fê-la vir para Portugal. Em Janeiro de 1976 começou a dar aulas no distrito de Aveiro, saltitando durante três anos por várias escolas.
Matriculou-se em História, na Universidade de Coimbra, curso que só anos mais tarde concluiu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Já a morar em Mem Martins e cansada dos concursos de professores, manteve-se sempre na EB 1 da Abrunheira, onde foi directora.
Reformada, sonha agora em ter netos para voltar ao contacto com as crianças.

"QUEM DEVIA IR PARA O GOVERNO ERA EU" (Carlinda Cerveira, professora reformada)
Correio da Manhã – Ser professora era um sonho de criança?
Carlinda Cerveira – Lembro-me de ser miúda e brincar às professoras. Foi algo que sempre quis seguir.

– A sua avó também foi professora. Teve influência na escolha?
– A minha mãe estava-me sempre a contar histórias e a falar do trabalho dela, por isso talvez tenha tido uma grande importância para eu inovar com os alunos.

– O que acha dos maus resultados a Português e Matemática nos exames do 9.º ano?
– O Ministério da Educação foi o principal impulsionador do facilitismo que entretanto se criou. Os maus resultados são o espelho desse facilitismo.

– O que sentiu ao ouvir as críticas da ministra aos professores?
– A homenagem que os pais me fizeram é uma bofetada sem mão. Numa altura em que a ministra quer virar os pais contra os professores, quer pô-los a avaliar e a entrar em conflito, os pais que me homenagearam responderam a todas as críticas. Foi uma lição de cidadania.

– É contra a proposta de avaliação pelos pais?
– A ministra da Educação ainda não disse o que quer fazer. Os pais devem ser considerados parceiros e foi assim que sempre os entendi, mas acho mal que a ministra queira voltar-nos uns contra os outros. Se os pais avaliarem a pontualidade e a assiduidade têm um papel importante.

– Consegue imaginar-se no papel de ministra da Educação?
– (Risos) Costumo dizer ao meu marido que quem devia ir para o Governo era eu, mas a saúde não permite. Os meus alunos percebiam-me quando eu estava afónica. Um ministério não se compadece de disso.

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