"Este estatuto é o controlo total sobre os professores"
0 Comments Published by . on segunda-feira, setembro 18, 2006 at 1:45 da tarde.
Manuela Teixeira deixou as lutas sindicais e, hoje, dedica-se à formação de professores no Instituto Superior de Educação e Trabalho. Não acredita que a carreira única esteja em risco, mas condena, ferozmente, as barreiras administrativas com que a nova proposta do Ministério da Educação para a revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD) pretende restringir o acesso aos lugares do topo.
JN|A proposta do Ministério da Educação (ME) representa o fim da carreira única pela qual lutou?
Manuela Teixeira|O meu conceito de carreira única não permite dizer que esta proposta conduza a isso. Entendo que a carreira deve ser igual para todos, dependendo a progressão apenas dos níveis de qualificação. E é isso o que acontece nesta proposta.Agora, aquilo que aparece aqui e que é contrário a tudo pelo qual lutei é a existência de um numerus clausus na passagem para a categoria de professor titular.
Mas dantes havia a prova de acesso ao 8.º escalão...
Aceitámos a prova de acesso ao 8.º escalão porque era aberta a todos, sem limitações. O numerus clausus torna isto absurdo. Qual é o professor que está no topo da carreira e que vai concorrer para Bragança para ser professor titular porque as escolas do Porto têm os lugares todos preenchidos?
Pois, sabe-se que apenas um terço dos professores de quadro de escola ou agrupamento poderá ser titular.
Sou contra limites administrativos. Concordo que, em determinada altura, haja uma prova para ver se o professor acompanha a evolução da realidade em que trabalha, que muda muito. Mantive sempre que nem todos os professores são excelentes e que, em determinada altura, é importante premiar quem faz mais. Mas sempre disse que, se todos fizerem mais, então todos têm direito de aceder ao topo.
Há quem defenda que esse afunilamento na carreira tem objectivos economicistas. Concorda?
Não tenho dificuldade em admitir que tenha de haver economia, mas acho que o que se propôs nem económico é! Pode ser, sim, completamente desmotivador. Podemos chegar a uma situação em que um professor diz "Não há aqui professores titulares? Então eles que trabalhem!"
Lamenta que se tenha acabado com as provas do 8.º escalão?
Acho que se podia ter melhorado as provas que havia. Penso que hoje não teria havido esta proposta de revisão do ECD se houvesse ainda uma verdadeira prova. Quando se diz que a carreira dos professores é automática, ela não é, mas na prática acaba por ser.
Qual é o professor que tem um "não satisfaz"?
Isso implica um outro tipo de avaliação dos professores. Concorda com o modelo proposto?
É muito burocrático. Uma avaliação anual vai ser inimaginável em Junho, em plena época de exames. Concordo com a avaliação dos professores, com critérios ajustados e com uma ligação à avaliação das escolas.
Entre os itens de avaliação está o abandono escolar. Concorda?
Acho gravíssimo. Que se faça isso para a avaliação das escolas, concordo.
E a inclusão do aproveitamento escolar? Não acha que pode ter efeitos perversos?
Há países do Leste onde isso foi terrivelmente perverso. Os professores não podiam ir de férias antes de os alunos terem passado em todos os testes e, por isso, eles passavam logo toda a gente. Acho que ter em conta os resultados escolares de alguma maneira está implícito na avaliação do professor. Daí que alguma ligação possa ser feita, desde que contextualizada.
Os professores passarão a ter aulas assistidas. Concorda?
Isso é absolutamente aberrante. Que se faça o acompanhamento das aulas no ano probatório, concordo. A partir daí é absolutamente contrário ao princípio da autonomia do professor na maneira de estar com os alunos. Acho que vai criar problemas gravíssimos nas escolas.
Problemas de que ordem?
Primeiro, nas relações pessoais. Quando havia profissionalização em exercício, que era feita nas escolas, nos sindicatos havia inúmeros problemas de contencioso por causa dos critérios com que os professores eram avaliados pelos colegas. Nem no tempo do Salazar os professores perderam a autonomia pedagógica da forma de estar na sala de aula, nem nesse tempo o método tinha de ser igual para todos.
A opinião dos pais também será tida em conta na avaliação do professor.
Isso nem me chocou. Não é uma avaliação dos pais, mas apenas uma apreciação. Escusava era de estar ali. Bastava dizer-se, de uma maneira global, que na avaliação são tidas em conta as várias apreciações feitas ao trabalho do professor. Não quer dizer que os pais não devam estar presentes e participar, mas é de outra forma.
Também se desconhece que peso terá cada um dos itens na avaliação.
Da maneira que os itens ali estão, parece que valem todos a mesma coisa. De repente, não há dinheiro e quer-se que o professor resolva tudo e tenha consciência de tudo. E há uma coisa que me choca muito o estatuto refere-se várias vezes a atitudes éticas, cívicas e profissionais. E eu pergunto se estamos a chegar ao antigamente e se aquilo que o professor faz fora da escola também vai ser controlado. Mas o que é isso do ético e do civil nesta avaliação? Como é que isto se avalia? Vão andar atrás dos professores como se fosse uma nova PIDE nas escolas?
Há pouco falou de Salazar, agora da PIDE. Acha que esta proposta de ECD tem um espírito totalitário?
Sim. É o regresso do 'Big Brother', o controlo total. O professor chega à escola e está sob suspeita em todos os aspectos.
Haverá um exame de acesso à profissão. Concorda com ele?
Reconheço que existe um problema as instituições que formam professores não têm critérios minimamente uniformes de avaliação dos seus alunos. Percebo este problema, mas não percebo que um exame permita compreender a qualidade de uma pessoa ser ou não professor. Acho esta prova algo muito complicado, há que ponderar.
Os professores do Secundário passam a ter horários de 22 horas e a redução do tempo de serviço por idade sobe para os 50 anos. São recuos que os professores aceitarão com dificuldades, não é?
Acho que o horário de 20 horas é o adequado para o Secundário, pois os programas são mais exigentes e necessitam de melhor preparação. Mas o pior é como se preenche a componente não- -lectiva, porque os professores precisam de tempo para preparar aulas e corrigir trabalhos. Quanto aos 50 anos para beneficiar da redução, acho excessivo.
Fala-se da atribuição de um prémio pecuniário para os mais esforçados.
Não é que se desse nada de mais. O problema que se coloca é o sistema de avaliação dos professores. Os "muito bons" e os "excelentes" vão para os amigos e assim vão os prémios também. Não sou contra incentivos pecuniários, mas preferia outro, uma progressão mais rápida na carreira, por exemplo.
As dispensas para formação só ocorrerão na componente não-lectiva quando for da iniciativa das estruturas do ME. Que lhe parece?
Isso é gravíssimo. É uma tentativa de controlo total do sistema de formação, que o ME não vai ter capacidade de fazer. Que o ME, em determinada altura, possa definir o que considera serem acções prioritárias e as que financia, a mim não me choca. Agora, o professor é que sabe onde quer ir buscar formação na componente não-lectiva.
Líder do movimento sindical representativo da classe docente, Manuela Teixeira foi, durante anos, um "osso ruim de roer" para sucessivas equipas que passaram pelos gabinetes da 5 de Outubro. Uma das suas maiores batalhas - que acabou com sabor a vitória - foi a instituição da carreira única para todos os professores. Retirada da vida sindical, Manuela Teixeira continua crítica em relação às mudanças à vista.
JN|A proposta do Ministério da Educação (ME) representa o fim da carreira única pela qual lutou?
Manuela Teixeira|O meu conceito de carreira única não permite dizer que esta proposta conduza a isso. Entendo que a carreira deve ser igual para todos, dependendo a progressão apenas dos níveis de qualificação. E é isso o que acontece nesta proposta.Agora, aquilo que aparece aqui e que é contrário a tudo pelo qual lutei é a existência de um numerus clausus na passagem para a categoria de professor titular.
Mas dantes havia a prova de acesso ao 8.º escalão...
Aceitámos a prova de acesso ao 8.º escalão porque era aberta a todos, sem limitações. O numerus clausus torna isto absurdo. Qual é o professor que está no topo da carreira e que vai concorrer para Bragança para ser professor titular porque as escolas do Porto têm os lugares todos preenchidos?
Pois, sabe-se que apenas um terço dos professores de quadro de escola ou agrupamento poderá ser titular.
Sou contra limites administrativos. Concordo que, em determinada altura, haja uma prova para ver se o professor acompanha a evolução da realidade em que trabalha, que muda muito. Mantive sempre que nem todos os professores são excelentes e que, em determinada altura, é importante premiar quem faz mais. Mas sempre disse que, se todos fizerem mais, então todos têm direito de aceder ao topo.
Há quem defenda que esse afunilamento na carreira tem objectivos economicistas. Concorda?
Não tenho dificuldade em admitir que tenha de haver economia, mas acho que o que se propôs nem económico é! Pode ser, sim, completamente desmotivador. Podemos chegar a uma situação em que um professor diz "Não há aqui professores titulares? Então eles que trabalhem!"
Lamenta que se tenha acabado com as provas do 8.º escalão?
Acho que se podia ter melhorado as provas que havia. Penso que hoje não teria havido esta proposta de revisão do ECD se houvesse ainda uma verdadeira prova. Quando se diz que a carreira dos professores é automática, ela não é, mas na prática acaba por ser.
Qual é o professor que tem um "não satisfaz"?
Isso implica um outro tipo de avaliação dos professores. Concorda com o modelo proposto?
É muito burocrático. Uma avaliação anual vai ser inimaginável em Junho, em plena época de exames. Concordo com a avaliação dos professores, com critérios ajustados e com uma ligação à avaliação das escolas.
Entre os itens de avaliação está o abandono escolar. Concorda?
Acho gravíssimo. Que se faça isso para a avaliação das escolas, concordo.
E a inclusão do aproveitamento escolar? Não acha que pode ter efeitos perversos?
Há países do Leste onde isso foi terrivelmente perverso. Os professores não podiam ir de férias antes de os alunos terem passado em todos os testes e, por isso, eles passavam logo toda a gente. Acho que ter em conta os resultados escolares de alguma maneira está implícito na avaliação do professor. Daí que alguma ligação possa ser feita, desde que contextualizada.
Os professores passarão a ter aulas assistidas. Concorda?
Isso é absolutamente aberrante. Que se faça o acompanhamento das aulas no ano probatório, concordo. A partir daí é absolutamente contrário ao princípio da autonomia do professor na maneira de estar com os alunos. Acho que vai criar problemas gravíssimos nas escolas.
Problemas de que ordem?
Primeiro, nas relações pessoais. Quando havia profissionalização em exercício, que era feita nas escolas, nos sindicatos havia inúmeros problemas de contencioso por causa dos critérios com que os professores eram avaliados pelos colegas. Nem no tempo do Salazar os professores perderam a autonomia pedagógica da forma de estar na sala de aula, nem nesse tempo o método tinha de ser igual para todos.
A opinião dos pais também será tida em conta na avaliação do professor.
Isso nem me chocou. Não é uma avaliação dos pais, mas apenas uma apreciação. Escusava era de estar ali. Bastava dizer-se, de uma maneira global, que na avaliação são tidas em conta as várias apreciações feitas ao trabalho do professor. Não quer dizer que os pais não devam estar presentes e participar, mas é de outra forma.
Também se desconhece que peso terá cada um dos itens na avaliação.
Da maneira que os itens ali estão, parece que valem todos a mesma coisa. De repente, não há dinheiro e quer-se que o professor resolva tudo e tenha consciência de tudo. E há uma coisa que me choca muito o estatuto refere-se várias vezes a atitudes éticas, cívicas e profissionais. E eu pergunto se estamos a chegar ao antigamente e se aquilo que o professor faz fora da escola também vai ser controlado. Mas o que é isso do ético e do civil nesta avaliação? Como é que isto se avalia? Vão andar atrás dos professores como se fosse uma nova PIDE nas escolas?
Há pouco falou de Salazar, agora da PIDE. Acha que esta proposta de ECD tem um espírito totalitário?
Sim. É o regresso do 'Big Brother', o controlo total. O professor chega à escola e está sob suspeita em todos os aspectos.
Haverá um exame de acesso à profissão. Concorda com ele?
Reconheço que existe um problema as instituições que formam professores não têm critérios minimamente uniformes de avaliação dos seus alunos. Percebo este problema, mas não percebo que um exame permita compreender a qualidade de uma pessoa ser ou não professor. Acho esta prova algo muito complicado, há que ponderar.
Os professores do Secundário passam a ter horários de 22 horas e a redução do tempo de serviço por idade sobe para os 50 anos. São recuos que os professores aceitarão com dificuldades, não é?
Acho que o horário de 20 horas é o adequado para o Secundário, pois os programas são mais exigentes e necessitam de melhor preparação. Mas o pior é como se preenche a componente não- -lectiva, porque os professores precisam de tempo para preparar aulas e corrigir trabalhos. Quanto aos 50 anos para beneficiar da redução, acho excessivo.
Fala-se da atribuição de um prémio pecuniário para os mais esforçados.
Não é que se desse nada de mais. O problema que se coloca é o sistema de avaliação dos professores. Os "muito bons" e os "excelentes" vão para os amigos e assim vão os prémios também. Não sou contra incentivos pecuniários, mas preferia outro, uma progressão mais rápida na carreira, por exemplo.
As dispensas para formação só ocorrerão na componente não-lectiva quando for da iniciativa das estruturas do ME. Que lhe parece?
Isso é gravíssimo. É uma tentativa de controlo total do sistema de formação, que o ME não vai ter capacidade de fazer. Que o ME, em determinada altura, possa definir o que considera serem acções prioritárias e as que financia, a mim não me choca. Agora, o professor é que sabe onde quer ir buscar formação na componente não-lectiva.
Líder do movimento sindical representativo da classe docente, Manuela Teixeira foi, durante anos, um "osso ruim de roer" para sucessivas equipas que passaram pelos gabinetes da 5 de Outubro. Uma das suas maiores batalhas - que acabou com sabor a vitória - foi a instituição da carreira única para todos os professores. Retirada da vida sindical, Manuela Teixeira continua crítica em relação às mudanças à vista.
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