Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


Conceição Lisboeta: "Desisti de querer mudar o mundo. Perdi o romantismo."

Foi no dia 3 de Dezembro de 2002. Não esquece. "A escola agendara um passeio ao Palácio de Cristal e três alunos, rapazes com nove e dez anos, cumpriam castigo por mau comportamento e não iam com os outros. Foram avisados com antecedência de que ficavam a desenvolver outro tipo de actividades." A voz de Conceição Lisboeta, 30 anos, não perde firmeza ao recuperar acontecimentos que a fizeram esquecer o romantismo em relação à profissão e arrepender-se "um bocadinho" de não ter batido o pé aos pais e desistido de ser polícia para se matricular na Escola Superior de Educação de Viana do Castelo.
Era o quarto ano em que dava aulas. Depois de uma experiência nos Açores, em S. Miguel, onde precisou de "algum pulso" para lidar com "situações complicadas", foi colocada na EB1 perto do bairro de Aldoar, no Porto, "escola problemática com historial de violência, alunos com o hábito de agredir colegas e funcionários, a tal ponto que muitas crianças mais pequenas saltavam as grades para fugir da escola com medo". É o discurso de quem quer contextualizar um episódio difícil de entender para os que "não imaginam o que isto é".
Na manhã que Conceição não esquece, a confusão chegou-lhe através da janela da sala de professores. "Cá fora, familiares das crianças armados de paus e ferros queriam tirar satisfações do castigo junto do coordenador." O relato sai alinhado, como matéria que é preciso explicar de modo a não deixar dúvidas a quem ouve. "Era um grupo de seis, sete pessoas. Falavam muito alto, batendo com os paus nas grades. Ao descer, dois deles abordam-me nestes termos: 'Sua puta, sua vaca, porque é que o meu irmão não vai ao passeio?'." Diz que era hábito ouvir insultos e diz ainda que se vai ganhando calo porque é preciso continuar. Naquele dia, a ofensa veio de fora. "Chamei-o para conversar, mas os distúrbios continuavam cá fora, com as crianças à espera dos autocarros a assistir. Liguei para o coordenador, que pediu que nos trancássemos. Ele chamaria a PSP. Quando fui dizer aos meus colegas para levarem os miúdos para dentro, dois familiares do meu aluno atiraram-me ao chão e agrediram-me com socos, paus e pontapés."
Conceição não sabe como conseguiu fugir. Sabe que uma auxiliar de educação tentou ajudar. Sabe também que no meio da confusão teve algum sangue-frio. A custo, fecharam o portão, o que não impediu novas agressões: "Quando o coordenador chegou, foi puxado pelo cachecol e levou um soco. Abriram-lhe o sobrolho e partiram-lhe os óculos." A polícia veio "mais de meia hora depois e só então fomos levados ao hospital".
Conceição não tinha lesões visíveis, "apenas muitas dores". Ficaram outras marcas. "Desisti de tentar mudar o mundo. Criei uma barreira de gelo. Muitas vezes esses miúdos vêm catalogados de coitadinhos, de vítimas. Talvez sejam. Mas esse discurso não me diz nada."
Apresentou duas queixas por agressão, uma no Tribunal de Menores, por um dos agressores ainda não ter 16 anos. A sentença veio muito depois. "Seis meses de prisão com pena suspensa." Entretanto, continuou a dar aulas na mesma escola até ao final desse ano lectivo e não tem pudor ao falar da "raiva" que a dominava ao olhar para o aluno. Pediu para mudar de quadro. Agora dá aulas na periferia de Viana do Castelo, onde vive. "É um lugar onde ainda existe algum respeito pela figura do professor."

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