Professoras Desesperadas

"Não fui ao hospital porque passou, mas estava na sala de aula com suores e comichões no corpo”, explica gesticulando Letícia Timóteo, de 14 anos, uma das alunas da escola EB 2/3 dos Pombais, em Odivelas, que sentiu ontem na pele os efeitos do ‘vírus moranguito’, como lhe chamaram os alunos à porta da escola, em alusão aos últimos episódios da novela da TVI ‘Morangos com Açúcar’.
A solução foi simples: “A professora mandou-me para a rua, apanhar ar”, diz.
Ontem, foram 21 os jovens assistidos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Os sintomas eram fotocópia em quase todos. Edna Cruz, de 16 anos, disse ao CM que os colegas se queixavam de “tonturas, má disposição, dores de cabeça, febre, tosse, falta de ar e comichão”. Apesar da preocupação com os amigos, Edna admite que ficou “céptica ao ouvir pela primeira vez a história”. “Pensei que me estavam a pregar uma partida, por causa da novela.”
À saída da escola, a professora de Geografia Fátima Rebelo disse ao CM que “o conselho executivo tinha dito que os alunos fizeram análises, mas que os resultados tinham sido inconclusivos. Fala-se de indução de gestos por causa da novela”.
Ao que o CM apurou junto do hospital, os 21 alunos deram entrada nas Urgências por volta das 12h30 com “problemas respiratórios mas, segundo os exames feitos, nada justificava os sintomas”. Por volta das 15h30 tiveram alta.
Na entrada das Urgências pediátricas do Santa Maria, pais de outras crianças comentavam: “Os miúdos estavam era com síndroma dos ‘Morangos com Açúcar’”.

COPIAR O ÍDOLO
Beatriz Pena, presidente da Associação Portuguesa de Psiquiatria para a Infância e Adolescência, acredita que “pode haver uma identificação com os ídolos da série juvenil”. “Nesta fase da adolescência, toda a gente vê a novela, por isso acho que se pode tratar de um fenómeno de sugestão e identificação com as figuras que eles admiram.”
A opinião é partilhada pelo psicólogo Daniel Sampaio, que realça o facto de se tratar de uma série “vista por muitos jovens no quotidiano, o que terá influência no seu comportamento”.
Beatriz Pena sublinha que “os jovens fixam-se aos conteúdos da novela e ficam limitados no imaginário, pondo de parte actividades como a leitura ou o desporto. “Estas novelas condicionam a aquisição de conhecimentos.”
O conselho executivo da escola esteve indisponível para prestar esclarecimentos, vedou a entrada aos jornalistas e remeteu as explicações para a Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL). Joaquim Barbosa, director regional adjunto, afirmou ao CM que as causas para a reacção dos alunos são desconhecidas. Quanto a uma eventual cópia dos episódio dos ‘Morangos com Açúcar’, Joaquim Barbosa sorriu: “Essas coisas podem acontecer, mas não sei se há ligação.”
A TVI diz que deve ser a NBP, produtora da série, a dar explicações sobre o suposto fenómeno de sugestão. A NBP escusou-se a comentários.

COMO NA TELEVISÃO
Apanhada de surpresa pelo elevado número de alunos indispostos, a EB 2/3 dos Pombais viu-se obrigada a fechar as portas a meio da manhã. Segundo uma funcionária, a ordem do conselho executivo foi entregue pelos auxiliares nas salas de aula. João Costa, de 15 anos, disse ao CM que, por volta das 11h00, “bateram à porta para interromper a aula”. “Pediram-nos para termos calma e mandaram-nos para casa.”
Na última semana, a TVI emitiu vários episódios da série ‘Morangos com Açúcar’ em que o Colégio da Barra é atingido por um vírus mortal. Os alunos sofrem quase todos de tosse, suores, desmaios, febre e alucinações, ficando confinados às paredes da escola. Só um milagroso antiviral resolve à última hora a situação.

'O MEU FILHO NÃO VAI AMANHÃ ÀS AULAS'
“O meu filho não vai amanhã às aulas se não houver mais esclarecimentos”, garantiu ontem Manuela Costa, mãe de um dos alunos da escola. Preocupada, diz ao CM não perceber “como é que o conselho executivo não tem informações quando os alunos foram todos atendidos no hospital”.
Também Maria Glória, mãe de uma adolescente que frequenta a escola, afirma ter ficado “muito preocupada, principalmente porque os professores não queriam deixar as crianças sair da escola”. “A minha filha saiu de imediato porque tinha exames no médico para fazer, mas se eles a tivessem impedido, ia lá buscá-la à força.”
Maria Glória entende que “a escola devia ter dado logo mais informações aos pais” e não tem dúvidas de que a escola devia ter fechado no dia anterior, quando outras cinco crianças se sentiram mal.

ALERGIA LEVA 30 ALUNOS DE VILA FLOR AO HOSPITAL
A lagarta do pinheiro fez novas vítimas. Depois de ter sido responsável, há dois dias, por reacções alérgicas em mais de 100 alunos de Braga, Vila das Aves e Felgueira, ontem foi a vez de cerca de 30 alunos da Escola Básica de Vila Flor, Bragança, com idades entre os 12 e 13 anos, se terem deslocado ao hospital com sintomas alérgicos – comichão, braços vermelhos e erupção cutânea.
De acordo com Fernando Almeida, presidente do conselho executivo do estabelecimento de ensino, os casos começaram a surgir depois do almoço, mas a meio da tarde a situação já estava normalizada. Os alunos, explicou, foram transferidos pelo INEM para o centro de saúde local, onde receberam tratamento, tendo sido depois encaminhados para as respectivas residências.
A processionária, como é também conhecida esta lagarta, que sai em procissão do ninho, é um insecto desfolhador de pinheiros e cedros, que pode causar a morte às arvores consoante o grau de ataque. Além disso, pode provocar ainda graves problemas de saúde pública.

MAIS INFORMAÇÕES
AMBULÂNCIAS
De acordo com os alunos e os moradores das imediações da escola, deram entrada seis ambulâncias no recinto escolar, informação confirmada pelo segurança do Hospital de Santa Maria.

REABERTURA
O conselho executivo esteve ontem reunido com a delegada de Saúde, que aconselhou à reabertura da escola. Esta só poderá não abrir devido a um corte no abastecimento de água, previsto para hoje.

SUGESTÃO
A delegada de Saúde de Odivelas garantiu não ter encontrado qualquer substância contaminante ou poluente que pudesse provocar os sintomas nos alunos, o que aumenta a hipótese de sugestão.