Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


Fraude escolar afecta competitividade dos portugueses

Enquanto cidadão, Ivo Domingues diz-se convicto de que a fraude escolar é um factor a ter em conta no desenvolvimento económico e social do país. Enquanto docente, combate-a com testes de consulta. Enquanto investigador, estudou o fenómeno. E descobriu uma prática generalizada.


Jornal de Notícias |Concluiu que três quartos dos alunos universitários reconhecem copiar. É o engano generalizado?
Ivo Domingues | (Risos) E podemos juntar-lhe outros níveis, como ir à Internet buscar trabalhos, comprá-los, pagar a colegas para os fazerem, fazer colagens de autores sem reflexão…

E o canudo sai uma bela fraude.
Pode sair. Consideremo-lo um produto e podemos analisá-lo em função de três valores. O valor simbólico prende-se com as representações que se têm da universidade. O valor de troca depende de factores como a procura dos empregadores e a imagem da instituição. Há já empresas que começam a classificar os fornecedores (as universidades) em função do desempenho dos formandos que contrataram. Por fim, há o valor de uso, o mais afectado pela fraude escolar, porque esta não permite desenvolver competências consideradas fundamentais.

A prática da fraude na escola reflecte-se no mundo do trabalho?
Por ser tão generalizada acaba por materializar um currículo oculto. Além de que tanto os alunos como alguns professores reconhecem-lhe vantagens, traduzidas no desenvolvimento de capacidades de gestão da emoção e de decisão em situações de constrangimento.

Isso pode ser bom no mundo laboral.
Pode. Mas é um efeito não previsto e não é preciso haver copianço para desenvolver essas capacidades. Procurem-se novos métodos. A formação no nosso país está muito orientada para a memorização. Ora, essa técnica favorece a prática de fraude.

Descreve um mundo de hipocrisia...
A hipocrisia existe em todas as organizações, emerge da própria natureza dos processos sociais e organizacionais. É a dissociação entre o que se diz fazer e o que se faz. Qual a organização que não é assim? Depois, a organização tende a rodear as tecnologias que lhe são nucleares de uma dimensão ritual que as legitima e as torna menos sujeitas à apreciação crítica. A avaliação do desempenho escolar está protegida por práticas ritualizadas.

E portanto difíceis de mudar?
Sim, porque são nucleares e rodeadas de dramatização, o que torna difícil vê-las como incertas. Se de um momento para o outro as organizações fossem capazes de adoptar programas de prevenção da fraude escolar, muito provavelmente aumentaria a retenção de alunos, porque haveria mais insucesso. E mais insucesso aumentaria a pressão dos alunos e seus familiares sobre o sistema educativo. Em última análise, as organizações seriam confrontadas com uma pressão social que conduziria à sua reforma.

Mas esse deveria ser o caminho a seguir, não?
Porventura. Mas numa leitura funcionalista, a fraude escolar funciona como válvula de segurança perpetuadora do sistema.

Mais do que o estudo do copianço, o seu trabalho é uma análise à forma de aprender em Portugal, que não parece brilhante…
(Risos) Talvez. O que importa é questionar por que é que as lideranças das organizações e o poder político não assumem a prática de fraude escolar como um problema de gestão que merece uma resposta. E isso prende-se justamente com a hipocrisia organizacional, os simulacros, a anarquia organizada.

Assumir esse problema não será admitir que as organizações formativas falham em toda a linha?
É assumir que a missão a que se propõem não é levada a bom termo, que o país está a desperdiçar recursos. Não será salto indutivo excessivo admitir que a generalizada prática da fraude escolar, ao socializar para o desvio, reduza a competitividade do país. O tempo de socialização escolar é muito grande na vida das pessoas e abrange o período de formação do seu carácter. A fraude escolar pode socializar para a desobediência a códigos, seja o da estrada, o civil ou os deontológicos. E 20% dos alunos admite ou hesita em não admitir que seria capaz de apresentar currículo falso em concurso para emprego. Considerando que os licenciados ocuparão lugares de direcção e gestão nas organizações onde obtêm emprego, não custa reconhecer que poderão ser capazes de operar uma interpretação permissiva das regras e realizar práticas de fraude.

O problema está enraizado?
A quase totalidade dos estudantes universitários que dizem copiar já o fazia no secundário. Faz parte de uma carreira desviante. Curioso é que chegam à universidade e deixam de copiar, talvez devido à representação que têm da instituição. Mas à medida que conhecem o sistema vão retomando a prática anterior.

Perdem a ilusão?
Porventura. Mas é também porque o sistema é muito competitivo e os alunos que deixaram de copiar sentem-se prejudicados em relação aos que o fazem com sucesso. E o stress dos processos de avaliação também favorece o copianço.

O mal está no modelo de avaliação ou no sistema de ensino?
Os processos de avaliação e de formação estão profundamente relacionados, não vale a pena mudar um sem mudar o outro.

Sendo assim, como contorna a fraude na sua sala de aula?
Faço testes com consulta, porque torna a prática do copianço livre, sendo interditada apenas a troca de informação entre colegas. Opto por pedir a aplicação da teoria a casos concreto, em vez da memorização. Os regulamentos de avaliação conferem autonomia para que os professores possam optar.

Mas aponta, no seu estudo, essa autonomia pedagógica como o ambiente onde "medrou o copianço"…
Não advogo o fim da autonomia, mas sim o reforço da autonomia responsabilizada e responsabilizante. Quanto maior for a autonomia para decidir e agir, maior é o dever de dirigir e gerir.

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