Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


Copianço generalizado no sistema de ensino português

Um auricular escondido no cabelo comprido, um micro "auxiliar de memória" em tamanho de cromo, uma mensagem no telemóvel, o espírito santo de orelha. As técnicas são às dezenas e dependem das oportunidades e da criatividade de cada um. Mas uma coisa é certa copiar faz parte do currículo dos universitários portugueses. A acreditar nos números de um estudo efectuado em Portugal, três quartos dos alunos já copiaram. Viagem ao mundo da hipocrisia onde as notas reflectem mais a habilidade do que o conhecimento...
De acordo com o estudo "Copianço nas universidades o grau zero da qualidade", da autoria do sociólogo Ivo Domingues, 71% dos 1100 alunos inquiridos reconhecem copiar. E a carga moral da assunção de uma conduta desviante pode ter calado mais do que um. Serão "três quartos" no total. Desses, quase metade recorre a copianços pessoais e 70% socorre-se da solidariedade alheia. Mais: 90% dizem que "tanto copiam os maus como os bons alunos", assim construindo a justificação de que copiar é devolver a justiça a um sistema em que, não raras vezes, o estudante ideal não passa de representação.
Posta a nu, a prática da fraude escolar revela sobretudo o quão enganado anda meio mundo. O objectivo dos estudantes não é adquirir competências, mas antes conseguir o canudo o mais facilmente possível. "Todos procuram copiar quando necessitam", o que, segundo o sociólogo, "denuncia uma frequência escolar mais orientada para o sucesso certificado e nominal do que para o sucesso substantivo e real".
A conclusão é ousada, sobretudo vinda de um docente universitário as notas que deveriam "revelar o grau de excelência escolar dos licenciados" acabam por reflectir "habilidades periféricas dos estudantes" e, sobretudo, "a incapacidade real da universidade para medir o seu real desempenho". No final temos um país prejudicado, reflectindo a mania bem lusitana do desenrascanço (ver entrevista).
E, por muito que a prática não seja exclusiva de Portugal - um artigo recente da revista Newsweek destapa o véu sobre uma realidade que se estende dos EUA à Coreia do Sul, passando pelo Reino Unido e China -, já trouxe dissabores a alguns portugueses. "Há histórias de estudantes que foram estudar para países nórdicos e acabaram identificados como não desejáveis, pela sua predisposição para a fraude. Há até um caso de denúncia de um protocolo internacional", conta Ivo Domingues.
Atentando nos hábitos, o estudo - que a editora Formal Press deve lançar ainda este mês - revela que 95% dos universitários que assumem copiar já o faziam no secundário. Mas apenas metade inicia a burla no primeiro semestre. No final do primeiro ano, são já dois terços os copiantes activos, que ascendem a 80% depois de 18 meses nos anfiteatros do saber.
Sabe-se ainda que os rapazes são mais adeptos da fraude do que as raparigas e que as engenharias são as maiores produtoras de cabulice. Cerca de 60% dos futuros engenheiros que completam o curso com copianço arranca logo na primeira ronda de exames, sendo também destes cursos os alunos que mais recorrem à cabula pessoal (61%). O uso da solidariedade dos colegas é mais forte em ciências sociais (77%) e da natureza (73%).
Analisando o campo dos porquês, acaba-se com alguma réstia de crença nas universidades. Reina o calculismo. Numa escala de importância zero a dez, copiar para ter positiva reúne 7,4 pontos e a cábula para melhorar a nota leva 6,6. Nas terceira e quarta posições aponta-se o copianço como auxiliar de memória e a falta de preparação. Em último lugar, copia-se para não se ser prejudicado em relação a quem o faz com sucesso.
Há quem não copie quando está preparado ou é impedido de o fazer pelo professor. E há quem nunca o faça por medo de ser apanhado (44%). Apenas 41% dizem não à cábula por valorizarem a genuinidade dos resultados. "De uma forma geral, não há muitos bloqueios morais. Quem não copia não o faz por não poder ou não precisar".
Culpa do sistema? Sim, porque começa por favorecer "o sucesso estatístico". Depois, desmotiva a participação na aula, que obrigaria ao estudo permanente e à consulta de material extra. Por fim, rodeia o exame de todo um ritual inquestionável.

A batota na versão masculina e feminina
Na batotice como no resto, os géneros transportam as suas características para as práticas. Os homens são mais práticos e pensam em copiar bem antes do momento de se sentar frente a um página em branco sedenta de conhecimentos.
Espontâneas, as mulheres caem na esparrela da facilidade já depois de enfrentarem as dificuldades. Uma diferença que poderá explicar o facto de as raparigas copiarem umas pelos outras, enquanto os colegas do sexo oposto já levam a cábula pronta de casa, embora peçam ajuda ao aluno do lado.
Concluiu o autor do estudo que 60% dos alunos se apoiam em copianços próprios, enquanto apenas 36% das alunas o admitem. Já quanto a copiar pelo vizinho, andam ambos na casa dos 70%. Que é como quem diz os homens preferem prevenir e remediar, enquanto as mulheres, essas, limitam-se mais a remediar.
Eles são mais seguros e autónomos, elas confiam na solidariedade e no espírito de equipa, no copianço visível. E sujeitam-se, por isso, bastante mais à sanção de um docente mais atento.
Razões? Elas olham mais a relação com as colegas como algo partilhado, eles individualizam-se. Elas adaptam-se mais facilmente ao constrangimento de não saber responder, eles prevêem calculisticamente a situação. E elas preparam-se mais para a avaliação, como o provam os números.
Por muitas voltas que se dêem, eles copiam mais do que elas e começam bem mais cedo no curso.

Copiar é do mais normal que há
António deixa descansar a capa aberta sobre as pernas estiradas ao Sol. Transformou-a em mesa de negócio, troca de cromos, vem aí o mundial, em cheio sobre a época de exames. Chatice. António bem quer que seja a última. É para acabar este ano, garante. "Quase", corrige Maria João, pulverizador de insecticida arrumado contra o degrau, a caminho das plantinhas do projecto que aguardam no telhado de um dos edifícios da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).
São ambos de Engenharia de Minas, mais Mário e João, ali estacionados na troca de fotos tipo passe do futebol. Todos no 5º ano, mas apenas ela a fazer corresponder o nível aos anos passados na faculdade. Eles contam seis e sete. Normal, seis é a média de anos para concluir os cursos na FEUP. Tão normal quanto levar "um auxiliar" para os testes. "Só para indicar o caminho". "É do mais normal que há".
É de novo António quem assume, olhando de lado, com um encolher de ombros, os apontamentos do "cadeirão" de Minas. "TTS, Teoria de Tratamento de Sinal". Os cromos soam de facto mais interessantes... Há quem faça "a pior disciplina do curso" com a tal ajuda para indicar o caminho. Exercícios resolvidos que apontam passos, mais do que resultados. Ah, é claro, miniaturizados ao tamanho de "quase cromos", afinal, está tudo interligado.
Maria João assume-se "uma burra". "Não consigo. Houve um teste que me passaram e fiquei tão nervosa que me vim embora. Reprovei". Ri-se. Nada de constrangimentos morais, o problema está mesmo na atrapalhação.
Mais adiante na linha desenhada pela luz da tarde entre os cubos da FEUP, Filipe e Pedro garantem que o simples facto de pensar em copiar lhes tolhe o aspecto. Filipe, há oito anos universitário, tenta um ar de reprovação. Diz que não tem lata para copiar porque é ilegal, mas admite que lhe "faz muita falta". E sabe que é minoria perante os "mais de 80%" que ali cabulam.
O olhar azul de Pedro quer-se transparente. "Por não copiar é que ando nisto há dez anos". Safa, rebentou com as médias oficiais. Para se sentir bem, quer crer que a fraude não é séria e acaba por prejudicar o futuro. "A verdade vem sempre ao de cima. Continua-se no mesmo esquema do desenrasque. Eu, quando passo, passo a saber". Leva é o seu tempo. "Tenho a noção de que teria passado a muitas cadeiras se copiasse".
À mesma mesa da esplanada da biblioteca - hora coca-cola -, Ivo descai-se. Depois de um rotundo não, admite que copiou uma vez. "Era muita matéria, algumas fórmulas que não sabia de cor". Passou, "devia ter feito mais vezes", como no secundário. Ali, "era descaradamente".
Ao abrigo da gigantesca biblioteca, José Manuel e Adelino completam o projecto com que encerrarão uma das cadeiras de Civil. Também estão ali a gastar os últimos cartuchos e olham para trás sem pena. José Manuel, que não copiou por falta de jeito mas respondeu a amigos que lhe pediram ajuda, contenta-se com os 13,5 de média de curso. E está acima da geral da FEUP - 13,12.
Adelino, ele, tem 12,5 e uma história de cábulas de "segurança" nos bolsos. "Assistência ao estudo" para compensar ter andado "mais à solta, em festas aqui e acolá". "É como andar com álcool na estrada. Toda a gente sabe que é proibido, mas dá-se o desconto". De qualquer modo, só copianço sem estudo "não adianta". Mário, lá na troca de cromos, completa a ideia. "A cábula não ensina a resolver os exercícios".
O problema, ali, é que a malta "não tem grande capacidade para decorar". Adelino nem se dá ao trabalho. O que vale são os muitos exames com consulta e as estatísticas em 52,7% das disciplinas leccionadas na FEUP, a nota final depende mais dos trabalhos e projectos do que do resultado dos testes. Contas feitas, dizem os engenheiros que se poderão fazer um quarto das cadeiras com cábulas.
O sistema, aliás, parece mesmo estar a pedi-las, diz Maria João. Exige demasiado. E depois, fazer o copianço "também é estudar". Não é fraude, porque no emprego ninguém vai exigir que se saiba tudo de cor. Importa é saber consultar. Até lá, "às vezes", lá são apanhados...

Do cromo à entreajuda
"Temos de nos adaptar ao meio". Que é como quem diz procurar descobrir como se copia com cada professor. As técnicas, dizem-nos os estudantes de engenharia, dependem "do grau de desespero". Um bom aluno atrás, uns gestos e a troca de folhas, microcopianços, uma máquina de calcular, a preciosa ajuda de alunos de anos anteriores que trazem o manual de boas práticas, junta-se de tudo um pouco. Mas sempre num espírito de entreajuda, em que cada um estuda a sua parte da imensidão da matéria para trocar com o vizinho.

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