Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


Carência de psicólogos trava combate à exclusão

Apesar de o absentismo, o insucesso e o abandono escolares apresentarem, em Portugal, números assustadores - causados, na maior das vezes, por problemas de ordem social, económica e psicológica dos alunos -, o universo de escolas com Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) é ínfimo apenas 15,5% das cerca de 11900 escolas o têm. Mais grave, ainda, é que o recurso aos apoios do PRODEP (Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal) - que constituía uma espécie de artimanha para contratar psicólogos -, acabou em Dezembro, deixando cada vez mais as escolas sem uma ajuda considerada fundamental, principalmente nos casos em que se luta contra a exclusão social.
A existência de apoio psicológico nas escolas está previsto no artigo 29.º da Lei de Bases do Sistema Educativo, mas a verdade é que cerca de 85% dos estabelecimentos de ensino não têm qualquer apoio e há psicólogos que têm de atender quase dois mil alunos (ver texto na página ao lado).
O "Estudo Sobre a Intervenção no Contexto Escolar dos Serviços de Psicologia e Orientação", organizado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos Económicos e promovido pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, veio traçar o retrato dos SPO existentes e as dificuldades por que passam devido à falta de meios humanos.
O estudo revela que, à data da realização de um inquérito nacional (Março de 2004), eram 547 os SPO existentes, mas apenas 466 estavam em funcionamento. Estes davam a poio a 1845 estabelecimentos de ensino, ou seja, 15,5% das 11 924 escolas existentes no país. Isto significa um rácio nacional de um SPO para 26 escolas. Contudo, no Norte o rácio (o pior de todos) era de um SPO para 38 escolas, enquanto na zona de Lisboa e Vale do Tejo (o melhor) era de um SPO para 14 escolas.
Dos 640 lugares de quadros técnicos previstos no universo dos SPO, apenas 558 estavam preenchidos. Isto significa um rácio de um técnico para 1118 alunos. Atente-se, ainda, em que a maioria dos SPO (269) tem apenas um psicólogo. Dos restantes, 42 têm dois psicólogos e 7 têm três técnicos.
Tendo de dar resposta a uma infinidade de solicitações, tal é o universo de problemas que confluem para a escola, os psicólogos - tal como refere o estudo - dedicam a maior parte do seu tempo à orientação vocacional. "Apesar da reconhecida pertinência, os SPO não conseguem dar uma resposta atempada e eficaz a todas as solicitações e necessidades da procura devido, em grande parte, à escassez de recursos humanos, aos crescentes pedidos de intervenção e diversidade dos mesmos e, porventura, também a uma certa orientação para um trabalho individual que alguns resultados do estudo sugerem", refere o relatório final do estudo feito.
Afirma-se, ainda, que o facto de os SPO estarem reduzidos ao trabalho de um só psicólogo "tem vindo a provocar uma sobrecarga e um esgotamento da capacidade de resposta por parte destes serviços...".
Ana Baio, presidente do Sindicato Nacional dos Psicólogos, disse ao JN que não há mais técnicos nas escolas "não porque as escolas não precisem, mas porque tem faltado vontade política em colocar nas escolas os profissionais necessários para ajudar a combater o absentismo e o abandono escolares".
Maria José Viseu, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, disse ao JN que as escolas deviam ser servidas por equipas multidisciplinares que possibilitassem a interligação com as famílias. Contactado o Ministério da Educação, a assessoria de Imprensa fez saber que, "com o fim do Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP), está a ser preparada uma reorganização dos serviços de psicologia no âmbito do novo quadro criado".

"Fizeste-me uma falta na escola onde estive, sem psicólogo!"
"Isto hoje está bonito, está!". A folha da agenda semanal não deixava mentir todos os dias, manhãs e tardes, estão repletos com horas de atendimento a alunos, professores e funcionários, reuniões com pais, participação em encontros de directores de turma e demais professores.
Madalena Moreira gostava de ter a capacidade de se multiplicar para dar resposta a tanta solicitação. É a única psicóloga do Serviço de Psicologia e Orientação (SPO) da Escola Secundária/3 de Joane, uma vila do concelho de Famalicão. Tivesse que dar resposta apenas à comunidade educativa daquele estabelecimento de ensino, onde tem o seu gabinete, já seria um trabalho árduo. Contudo, para além dos 1200 alunos da Secundária de Joane, Madalena Moreira tem ainda a seu cargo o agrupamento de escolas de Pedome, que engloba a Escola Básica Integrada local, mais duas escolas do 1.º Ciclo e dois jardins-de-infância. Feitas as contas, a psicóloga tem de atender cerca de 1800 alunos, distribuídos pelas seis escolas, o que a obriga, muitas vezes, a percorrer alguns quilómetros para ajudar os alunos e professores mais necessitados de apoio.
Situado em pleno Vale do Ave, onde a indústria têxtil tem levado muitas empresas à falência e atirado famílias para a miséria, originando também um crescente abandono e insucesso escolares, o SPO de Joane é visto como a tábua de salvação para os muitos problemas que ensombram o dia-a-dia de muitos adolescentes.
"Ainda hoje, ao entrar na escola, já tinha três directores de turma e o Conselho Executivo à minha espera para colocar problemas. E, por onde passe e cruze com professores, mais pedidos de auxílio vão surgindo", revelou a psicóloga. Este ano, mais apoios lhe foram consignados, com a não colocação na escola de um professor do Ensino Especial. Perante a infinidade de funções acometidas ao SPO e à impossibilidade de a tudo dar resposta, Madalena Moreira traça, no início do ano escolar, a sua proposta de trabalho. Nela, a orientação vocacional dos alunos do 9.º ano, assim como dos do Secundário com problemas na escolha de curso feita, ocupa grande parte das tarefas.
Sozinha para tanta solicitação, a psicóloga recorre, muitas vezes, a um trabalho de proximidade com os directores de turma, dando-lhes as orientações necessárias para que eles façam a triagem dos casos à espera de resposta. "Se eles não conseguem resolver os problemas e a minha intervenção acaba por ser mesmo necessária, então procuro um dia para atendimento", referiu.
Madalena Moreira tenta adivinhar como será o trabalho nas escolas onde não há psicólogos, já que constituem a maioria. A resposta chega-lhe através dos professores. "Tu fizeste-me uma falta na escola onde estive! Não tinha psicólogo e os problemas eram tantos!", disse-lhe um docente, que havia saído e voltado outra vez a Joane. FB

"Precisamos de quem venha à escola ajudar a serenar os ânimos"
Nuno - chamemos-lhe assim - tem 13 anos e ainda está no 5.º ano de escolaridade. Não admira. Passa dias sem ir à escola e, como justificação, inventa as mais variadas desculpas. Oriundo de uma família disfuncional, vive os seus dias em "roda livre". Este é um dos muitos casos que abundam na Escola Básica 2/3 Teixeira Lopes, em Gaia, sede do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, com mais de 900 alunos. A maioria conta com o apoio social escolar, já que é oriunda de famílias com grandes carências económicas.
Era neste ambiente que Júlio França exercia, até Dezembro último, as funções de psicólogo, pago a recibo verde. Tal como muitos dos seus colegas, foi ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal (PRODEP) que conseguiu trabalho na "Teixeira Lopes", para desenvolver acções de orientação vocacional para alunos do 9.º ano.
"Tinha três horas por dia para trabalhar lá em orientação. Mas mal entrava na escola, logo apareciam professores a pedir-me ajuda na resolução de problemas diversos dos alunos", referiu.
Lucinda Rodrigues (na foto), vice-presidente do Conselho Executivo da escola, enalteceu o trabalho desenvolvido pelo psicólogo. "Fazia a orientação vocacional, mas acabávamos abusando um pouco da sua ajuda para casos muito complicados que cá temos", revelou.
Contudo, em Dezembro último, Júlio França deixou a escola com o fim declarado do PRODEP. A partir de então, o estabelecimento de ensino ficou privado de um apoio que considera fundamental. "Para casos mais complicados, podemos recorrer aos psicólogos da DREN. São apoios pontuais. Nós precisamos é de quem faça um trabalho continuado", salientou Lucinda Rodrigues.
Mesmo já sem qualquer remuneração, Filipe Lima vai, de quando em quando, à escola, dar continuidade aos apoios a adolescentes em risco de exclusão. "Muitos psicólogos, entre estarem em casa sem trabalho ou irem a uma escola dar apoio sem retribuição, optam por esta última. É um pau de dois bicos, pois as instituições acabam por beneficiar de trabalho gratuito", explicou Filipe Lima.
Sem o pequeno apoio, mesmo que temporário, do psicólogo, o dia-a-dia promete não ser fácil para os directores e professores da "Teixeira Lopes". Os casos de abandono precoce, insucesso escolar e sucessiva repetência obrigaram a escola a criar duas turmas de percursos curriculares alternativos como última oportunidade para dar a escolaridade obrigatória a alunos em risco de exclusão social.
"Precisávamos de ter uma equipa de técnicos, com psicólogos e assistentes sociais, sediada aqui na escola ou em qualquer outro local, a quem pudéssemos recorrer e trabalhar, que fossem capazes de nos saber ouvir e dar-nos uma resposta especializada. E que servissem, sobretudo, para serenar os ânimos", realçou Lucinda Rodrigues.

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