REALIDADES-11: Crianças obesas dormem pouco e vêem muita televisão
0 Comments Published by . on domingo, maio 21, 2006 at 12:02 da manhã.As crianças obesas portuguesas dormem pouco, vêem muita televisão e são filhas de pais com iguais problemas de peso. O retrato é traçado pelo estudo realizado por uma equipa de investigadores coordenada por Cristina Padez, da Universidade de Coimbra, e Pedro Moreira, da Universidade do Porto, segundo o qual 31,3% das crianças são obesas ou têm excesso de peso .
Mais de 4500 crianças, entre os sete e os nove anos, foram estudadas e os resultados apontam ainda para o facto de a obesidade - cujo dia de luta se assinala hoje - atacar mais os filhos únicos. E os factores de risco começam bem cedo: alto peso à nascença está também associado a esta "epidemia do século XXI". Mas há boas notícias: entre três a seis meses de amamentação e pais mais educados são factores que parecem proteger as crianças desta doença.
Em Portugal, perto de um terço das crianças tem excesso de peso, o que coloca o País como o vice-campeão europeu da obesidade. De acordo com o estudo português, as raparigas tendem a ter mais problemas de excesso de peso que os rapazes, sendo que há mais crianças obesas por volta dos oito anos e meio/ nove do que aos sete.
Uma evidência deste estudo - que é coincidente com outras investigações em obesidade infantil - é que o excesso de peso dos pais é um grande factor de risco para os filhos. Aliás, um fenómeno mais evidente quando é a mãe que sofre de obesidade. Uma questão que os investigadores explicam como sendo cultural, já que em Portugal é normalmente a figura materna que toma as decisões relativamente à nutrição da família. Para além das compras, é também responsável pela confecção das refeições. Assim, "as mães têm maior controlo sobre as características importantes do estilo de vida dos filhos".
Isto significa ainda, defendem os investigadores, que as intervenções a nível da obesidade infantil têm que ser feitas no âmbito de uma abordagem a toda a família. E que esse trabalho deve ser realizado cedo, sobretudo em agregados cujas crianças enfrentam um elevado risco de obesidade, por terem pais com esse problema ou por terem tido peso alto à nascença.
Uma realidade que este estudo destaca é o facto de a amamentação ser um factor que protege as crianças da obesidade. Outra questão importante na saúde infantil é o nível cultural dos pais, sendo que a educação secundária ou superior parece ser também uma protecção efectiva contra a obesidade e excesso de peso. A razão poderá residir numa mais adequada escolha de comida ou na promoção de um maior grau de actividade física.
Quanto mais dormir uma criança, sustentam ainda os investigadores, mais diminui o risco de ela ser obesa ou ter excesso de peso. Os miúdos que este estudo identificou como tendo problemas de índice de massa corporal aumentado dormem menos que as crianças saudáveis. A razão pela qual a qualidade do sono é um factor essencial não está ainda totalmente investigada. O facto de serem obesas e de terem menos actividade física pode explicar menor sono, porque essas são crianças menos cansadas. Ou então, o facto de dormirem menos pode significar mais horas a ver TV e a... comer.
É muito difícil tratar a obesidade infantil
O tratamento da obesidade infantil é difícil e a sua taxa de sucesso ronda apenas os 15%. Primeiro, porque nem sempre é fácil a uma criança perceber as razões da dieta, e estar motivada para abdicar do que gosta; depois, porque os pais, afirmam os especialistas, também não são "a melhor ajuda". Não há medicação que se possa fazer nestes casos, já que os fármacos estão todos desaconselhados em crianças.
Isabel Neto da Palma, endocrinologista, explica que tratar esta patologia é "um problema complexo" porque envolve a família e "é muito difícil mudar os estilos de vida". Contudo, 99% dos casos de obesidade infantil são devidos a erros nutricionais: "Só uma pequena parte se deve a doença."
E nem sempre estes pacientes seguem as recomendações médicas: "Pedimos que saiam uma paragem antes no autocarro, que andem um pouco a pé ou privilegiem as escadas em detrimento do elevadores, mas eles não o fazem." E as tentações estão em todo lado: as escolas têm ofertas pouco recomendáveis, mas também os hospitais estão cheios de máquinas de venda automáticas com produtos calóricos.
Outro problema em tratar uma das maiores epidemias deste século tem a ver com o facto de "as pessoas quererem grandes e rápidos resultados. Mas o ideal é perder apenas entre 8 a 10% do peso corporal num ano, porque quanto mais lento for o emagrecimento menor será o reganho de peso", explica ainda a especialista.
As taxas de sucesso no tratamento da obesidade, refere a médica, "são pequenas: devem rondar os 15%". E são, sobretudo, variáveis: na puberdade, por exemplo, é mais fácil o tratamento do que na infância. "E é fundamental a mãe: porque o consumo depende também do que há em casa e os gostos também se vão educando", explica. Hipertensão e colesterol são o perigo à espreita, assim como a diabetes de tipo II.
Também Paula Veloso, nutricionista , considera que tratar a obesidade é uma tarefa complexa: "Já nos adultos é difícil, e muito mais nas crianças pelos motivos que todos conhecemos, nomeadamente pelo facto de lhes ser mais difícil resistir às tentações."
Assustada pela chegada à sua consulta de crianças obesas, enviadas por pediatras, esta nutricionista lançou recentemente um livro onde explica as regras da alimentação saudável, dá "dicas" para ajudar pais e crianças e expõe algumas receitas destinadas a conquistar os mais novos para os benefícios de refeições menos calóricas.
Explicando que não faz acompanhamento de crianças em consulta, o seu papel, enquanto nutricionista, é "fazer aconselhamento aos pais". Com as crianças, diz, faz "pactos", na tentativa de obter a sua colaboração para a difícil missão que é perder peso.
Uma estratégia para "conquistar" doentes que também Isabel Neto da Palma segue. "Não posso impor regras aos meus doentes: tento negociar com eles e aceitar que esta doença também tem ciclos. Sento-os ao meu lado e converso. Porque tratar a obesidade é sobretudo um trabalho de educação." Seria, por isso, necessário um maior envolvimento dos cuidados primários, nomeadamente dos médicos de família. E, sobretudo, evitar que os profissionais de saúde cedam à tentação da sociedade: "Censurar os gordos."
"Já nasceu com muito peso"
Num dia em que o sol convida a passeios junto à praia, são poucos os que aproveitam a Foz do Porto para investir na boa forma física. O contraste entre os que fazem desporto e as famílias que se passeiam - acompanhadas de crianças, mais ou menos gordinhas, com gelados em punho - é evidente.
Rafaela Filipa, 8 anos, passeia na companhia da mãe e do irmão. Já pesa 50 kg e, segundo a nutricionista, revela uma "tendência para a obesidade", conta a mãe. "Gosta muito de comer. Às vezes, chega a consumir tanto como um adulto", conta a Helena, a mãe - que, apesar disso, se esforça por lhe proporcionar uma "alimentação equilibrada".
Chegou-se a pensar que na origem da obesidade poderiam estar "razões nervosas", mas os exames revelaram que não. Aliás, tal com Helena faz questão de lembrar, trata-se de uma criança que "nasceu já com muito peso". E o facto de comer "bastante" em nada ajuda a emagrecer.
Mesmo com consciência da relevância do exercício físico, Helena confessa que, por questões de "disponibilidade de tempo", ele acaba, muitas vezes, por ser esquecido. "Vimos até aqui ao fim-de-semana, para fazer exercício. A Rafaela até traz a bicicleta", acrescenta. Mas, durante a semana, o exercício acaba por se cingir ao desporto que a escola proporciona, o que é "pouco".
Apesar disso, a tarde de ontem foi passada, pela Rafaela, sem pensar no exercício nem na dieta. E, a julgar pelo cenário, não terá sido a única. Bastava olhar para as barriguinhas de fora e para os gelados que, ao sol, iam derretendo.
0 Responses to “REALIDADES-11: Crianças obesas dormem pouco e vêem muita televisão”