Professoras Desesperadas

Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.


O alarme e a culpa pelo insucesso escolar

O alerta está na ordem do dia e a equipa do Ministério da Educação não cessa de sensibilizar os professores. Quinta-feira de manhã, em Faro, numa reunião com responsáveis das escolas do Algarve, o secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, começou exactamente por falar dos números da OCDE e da UE que fazem um retrato dramático do Ensino em Portugal. E incentivou a dar uma volta à situação.
As estatísticas europeias referem que o insucesso escolar em Portugal está a atirar metade dos jovens para fora do comboio do futuro. Em 2004, apenas 49% dos que têm 20 a 24 anos completou o Ensino Secundário. Isto quando a média europeia está nos 76,4%, a Espanha tem 62,5% e a Grécia 81,7%.
O problema tem consequências prejudiciais para o País e mobiliza a procura de soluções. No corrente ano lectivo, o Ministério da Educação mandou as escolas manterem os alunos em actividades didácticas, sem interregnos, mesmo em caso de falta imprevista do professor. Aposta-se também na diversificação de alternativas, com mais cursos tecnológicos nas secundárias públicas.
Os professores fazem, por seu turno, um diagnóstico cruel. Um ‘buraco negro’ no 2.º e 3.º Ciclos, com programas desadequados, faltas de aferição e prejuízo para a responsabilidade do estudante, foi insistentemente apontado num debate sobre o insucesso no Secundário, feito na Escola D. Pedro V, em Lisboa, com a participação de professores e associações de pais. Marcante na discussão foi ainda o apontar de erros nas licenciaturas nas Escolas Superiores de Educação, o desprestígio da via técnico-profissional e a denúncia que empurrar os alunos até ao 10.º Ano, quando não sabem, provoca ainda maior insucesso escolar. Da análise ficam aqui os principais factos.

'ESTUDAR EXIGE ESFORÇO E CONTRARIA O ÊXITO FÁCIL'
Há um consenso terrível nos professores do Secundário: a escola não é apelativa para a grande maioria dos jovens que diz ser estudante. O problema de base, afirmam os professores, é que os alunos são enganados pelo sistema.
“Eles entendem muito pouco o que é ser ‘estudante de profissão’ e pensam que estudar não é primordial, nem essencial”, explica Leonilde Timóteo que ao marcar trabalhos para casa se confronta muitas vezes com observações do género “é melhor não mandar fazer porque já temos um teste marcado”.
O mesmo problema é salientado por Ana Rocha, professora de Filosofia, que recorda: “Há 25 anos era moda dizer aos professores que o que os alunos que não aprendem nas aulas também não aprendem em casa, pelo que não valia a pena marcar trabalhos.
A realidade de hoje é diferente. Sabe-se que a aprendizagem é uma tarefa árdua e o trabalho para casa um elemento integrante da aquisição do conhecimento e fundamental para o desenvolvimento da autonomia do estudante.”

'QUALQUER INICIATIVA DA ESCOLA É BOA DESDE QUE NÃO TENHA AULAS...'
“Qualquer evento desde que não tenha aulas e saia mais cedo é bom para mim”, escreveu um aluno da Escola Secundária D. Pedro V, a Sete Rios, em Lisboa, quando lhe pediram para fazer por escrito a sua avaliação sobre as iniciativas levadas a cabo no estabelecimento de ensino a propósito do Dia Mundial da Música, comemorado no sábado, 1 de Outubro.
No dia anterior foi exibido para 90 alunos o filme ‘Amadeus’, sobre a vida de Mozart, realizado por Milos Forman e premiado com oito Óscares de Hollywood. Da avaliação dos alunos falam os seus textos. Um escreveu: “Sendo sincero, por um lado gostei porque sempre era melhor do que ter aulas, por outro não gostei. O filme foi um bocado secante mas foi giro ver o actor a rir-se.” E outro concluiu: “Se isso me impedir de ter aulas podem fazer mais eventos.”
Mais um dado eloquente: os professores prometeram premiar com DVD do filme os melhores trabalhos sobre Mozart, mas apenas foi entregue um trabalho, no caso feito por Andreia Cadete, uma aluna considerada de nível excepcional, filha do ex-jogador de futebol do Sporting e Benfica, com o mesmo apelido.

Escolas superiores de educação erram ao especializar professores do básico
Além de ser apontado como excessivamente lúdico, o 1.º Ciclo do Básico apresenta outros perigos. Um problema grave está na formação dada pelas Escolas Superiores de Educação (ESE) que sucederam ao Magistério Primário.
As ESE especializam os docentes em Matemática, Português, Ciências, Educação Física, Musical, Visual etc. e essa preferência tende a reflectir-se no que ensinam. “Como é que uma professora do 1.º Ciclo, com preferência por Letras, estimula os alunos a estudarem Matemática?”, observa Isabel Veiga, professora do Secundário, preocupada com a falta de bases dos estudantes à chegada ao 10.º Ano.
Já os responsáveis de escolas do 1.º Ciclo consideram mais grave o facto de os docentes não conhecerem as didácticas. Mais, é consensual que quem vai para o 1.º Ciclo, tendo feito apenas uma cadeira de Matemática, com nota sofrível, não está apto a ensinar.
Pelo contrário, as críticas ao ensino excessivamente lúdico suscitam polémica. “A escola não pode ser cinzenta e entre o 1.º e o 4.º ano existem diferentes níveis de abordagem pedagógica”, observa Gisela Lima, responsável por um agrupamento de escolas no Algarve que defende não ‘amarrar’ crianças entre os 6 e os 10 anos e uma estratégia de ensino expositivo, cinco horas por dia.

'Buracos negros' no 2º e 3º ciclos provocam problemas sem solução
Todos os erros que estão na base do insucesso escolar em Portugal, em termos de programas ineficazes, desaproveitamento das capacidades dos estudantes, falta de exigência na avaliação e incremento da responsabilidade têm os pontos máximos do 5.º ao 9.º Anos.
“O 2.º Ciclo é por vezes um lugar de equívocos e não existe na maior parte dos países europeus”, observa Gisela Lima que considera os programas e a estrutura funcional pouco ajustados às necessidades curriculares dos alunos e factor de descontinuidade entre os níveis de ensino. E explica: “Os programas não estabelecem uma adequada transição entre os anteriores e os novos
conhecimentos. Há apenas uma passagem mais centrada para a diversificação dos professores e um menor grau de proximidade com os problemas dos alunos.”
Além disto, “os critérios de exigência e rigor abrandaram claramente nos últimos 30 anos” e Maria José Varandas, que já trabalhou no Ministério, não tem dúvidas em afirmar que “a política de dificultar a retenção dos alunos nos vários anos tem a ver com preocupações economicistas, pois o que se quer é reduzir o aumento de custos provocado pelo alargamento da escolaridade obrigatória para nove anos.”

Via de ensino técnico-profissional falha rumo e prestígio junto de pais e alunos
Portugal tem na União Europeia a segunda mais baixa percentagem de conclusão do Ensino Secundário, sendo que apenas 49% dos jovens com 20 a 24 anos acabou o 12.º Ano. Isto quando a média da UE-25 está nos 76,4% e mesmo a Espanha (23.ª, com 62,5%) marca grande distância do insucesso português.
O grave é que dar a volta aos números não está fácil, mesmo se o Governo aponta 2010 como meta para ver 50% dos alunos escolherem o Ensino Técnico-Profissional, a via óbvia para aumentar o sucesso escolar. Há, porém, dúvidas sobre a eficácia desta aposta.
Os professores consideram que a via técnico-profissional está desprestigiada, não atrai alunos, nem convence os pais. Isabel Almeida, professora do Secundário, explica os motivos: “É suposto que a via técnico-profissional devia dar mais competências aos interessados em entrar directamente no mercado profissional, mas o objectivo complica-se quando a exigência teórica é igual ao da via de acesso ao Ensino Superior para que o aluno possa ter a mesma oportunidade de entrar numa universidade com o exame do 12.º Ano.
Além disto, faltam escolas com esta via e, sobretudo tem de se lhe dar prestígio. Nenhum pai quer ver o filho a seguir cursos que aparecem como reservas para ‘burros’.”

"Passar alunos que não sabem acaba por aumentar o insucesso escolar"
“Empurrar até ao 10.º ano alunos que têm negativa a Matemática desde o 5.º, mas não se podem reter porque sai caro, é a pior solução porque conduz fatalmente
à frustração do estudante e também do professor.” A análise é de Maria da Luz, professora de Matemática que considera que as aulas de apoio fora de tempo não resolvem os atrasos na aprendizagem e sente, às vezes, uma enorme vontade de agir como os júris dos concursos de televisão que mandam os concorrentes aprenderem a cantar.
“Há alunos que chegam ao Secundário condenados ao insucesso e para quem a única solução era mandá-los outra vez para o 5.º Ano”, desabafa, referindo um caso concreto: “Numa aula de apoio, em hora não lectiva, estive com um aluno que não sabe de facto imensas matérias do 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º Anos, mas foi passando porque é difícil reprovar quem quer que seja. E, agora, gerou-se uma situação insustentável. Evidentemente que se pode começar a ensinar-lhe toda a matéria que não sabe, equações, sistemas e coisas de Geometria, mas ele vai continuar a ter sempre negativas no testes sobre a matéria do 10.º, desmobilizando-o das próprias aulas de apoio. A solução seria parar para aprender o atrasado e só depois iniciar o Secundário. Mas isto não é praticável e o que acontece é ir até ao 12.º ano e repetir a Matemática dois ou três anos até desistir.”

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